Livro dos 24 Filósofos

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O Livro dos 24 Filósofos (em latim Liber XXIV philosophorum) é um texto medieval filosófico e teológico de autoria incerta.

Visão geral[editar | editar código-fonte]

O livro consiste em vinte e quatro "sentenças", "aforismos" ou "definições" de "Deus", atribuídas a tantos filósofos presentes a um encontro fictício, cada uma sendo uma tentativa de responder à única pergunta restante: "o que é Deus?" (quid Deus?). A primeira testemunha textual é de um manuscrito francês do século XII atualmente em Laon.[1] As definições eram frequentemente acompanhadas de um comentário escolástico em uma das duas redações, o comentário "mais curto" e o "mais longo". Ambas as definições e comentários ecoam e tecem numerosas visões antigas e medievais tardias sobre a Primeira Causa e a natureza da divindade.[2]

Durante a Idade Média, o Liber foi atribuído de várias maneiras a Hermes Trismegistos, Aristóteles ou simplesmente citado anonimamente por teólogos e filósofos. Os estudos contemporâneos ainda são inconclusivos sobre a origem e autoria do texto. A estudiosa francesa Françoise Hudry defendeu a atribuição a Marius Victorinus (fl. Século IV).[3] Segundo outros, o texto pertenceria a um trabalho perdido de Aristóteles, o De philosophia, conhecido na Europa medieval pelos tradutores árabes da Escola de Toledo.

Influência[editar | editar código-fonte]

A influência deste trabalho nos estudos e literatura medievais revelou traços de suas ideias entre os trabalhos de Jean de Meung, Dante, Meister Eckhart, Nicolau de Cusa, Giordano Bruno, Martinho Lutero,[4] Robert Fludd, Pascal e Leibniz.[1]

A segunda definição, em particular, ganhou grande destaque desde o início da Alta Idade Média: “Deus é uma esfera infinita, cujo centro está em toda parte e cuja circunferência não está em lugar nenhum” (Deus est sphaera infinita cuius centrum est ubique, circumferentia nusquam).[1]

Tradução[editar | editar código-fonte]

Existem estudos alemães, franceses e italianos do texto disponível,[5] sem tradução para o inglês ainda impressa, embora existam edições online.[6]

Uma tradução não crítica foi disponibilizada online gratuitamente pela Matheson Trust (en:The Matheson Trust), contendo em edição mínima os aforismos em inglês e latim.[7] As frases em português podem ser traduzidas como:

  1. Deus é uma unidade gerando uma unidade, em si mesmo refletindo a única chama.
  2. Deus é uma esfera infinita cujo centro está em todo lugar e cuja circunferência não está em lugar nenhum
  3. Deus é inteiro em cada seu
  4. Deus é a mente que gera uma elocução continuamente
  5. Deus é aquele ao qual nada melhor pode ser concebido.
  6. Deus é aquele em cuja comparação a substância [eterna] é meramente acidental, e o acidental é nada.
  7. Deus é o princípio sem princípio, processo sem variação, fim sem fim.
  8. Deus é o amor que mais se esconde quanto mais é havido.
  9. Deus é o único para o qual o que pertence ao tempo está sempre presente.
  10. Deus é o poder não mensurável, cujo ser não pode ser fechado, cuja beleza não pode ser limitada.
  11. Deus é além do ser, necessário, sozinho em abundância autossuficiente.
  12. Deus é aquele cuja vontade é igualada ao poder e sabedoria divinos.
  13. Deus é a eternidade agindo em si mesma, sem divisão ou término.
  14. Deus é oposição ao nada, em mediação do ser.
  15. Deus é a vida cuja via à forma é a verdade, e à unidade, a beleza.
  16. Deus é aquele sozinho que não pode ser significado por palavras devido à sua excelência, nem inteligido por mentes devido à sua dissimilitude.
  17. Deus é o intelecto em si só, que não recebe predicado.
  18. Deus é a esfera cujo todo tem tantas circunferências quanto pontos.
  19. Deus é o imóvel sempre movente.
  20. Deus é aquele que vive só de seu intelecto.
  21. Deus é a tênebra na alma depois que cada luz deixou-a.
  22. Deus é aquele de quem qualquer coisa não é dividida, por quem não se tem variação, em quem não se tem mistura.
  23. Deus é aquilo que é conhecido à mente pela ignorância apenas.
  24. Deus é a luz que não brilha por refração, passa através e que ainda assim é pura forma divina em cada coisa.

Referências

  1. a b c Lucentini: 2001
  2. Hudry, Françoise (ed.), Le Livre des XXIV Philosophes (Latin text and French translation), Millon, Grenoble, 1989.
  3. Hudry: 2009. Ver também a revisão por Jeremy M. Schott.
  4. https://oblongmedia.net/2017/01/30/martin-luther-and-the-gnostics/
  5. Ver Bibliografia abaixo.
  6. Uma pelo Prof. Markus Vinzent, uma por Ian Alexander Moore e uma pela The Matheson Trust.
  7. The Book of the Twenty-Four Philosophers. Liber XXIV philosophorum. Editio Minima. (PDF). online: The Matheson Trust For the Study of Comparative Religion. 2015 

Bibliografia[editar | editar código-fonte]

  • Baeumker, Clemens, "Das pseudo-hermetische 'Buch der vierundzwanzig Meister' (Liber XXIV philosophorum)", in Clemens Baeumker (ed.), Abhandlungen aus dem Gebiete der Philosophie und ihrer Geschichte. Eine Festgabe zum 70. Geburtstag des Freiherrn Georg von Hertling, Freiburg am Breisgau, 1913, pp. 17–40.
  • Baeumker, Clemens, "Das pseudo-hermetische 'Buch der vierundzwanzig Meister' (Liber XXIV philosophorum)", in Clemens Baeumker, Studien und Charakteristiken zur Geschichte der Philosophie, insbesondere des Mittelalters. Gesammelte Vorträge und Aufsätze von C. Baeumker, von Martin Grabmann editor, Münster, 1927, pp. 194–214 (revised and corrected edition).
  • D'Alverny, Marie-Therèse, “Un témoin muet des luttes doctrinales du XIIIe siècle”, Archives d'Histoire Doctrinale Et Littéraire du Moyen Âge 17 (1949).
  • Flasch, Kurt, Was ist Gott? Das Buch der 24 Philosophen, Verlag C.H. Beck, München, 2011.
  • Follon, Jacques, “Le livre des XXIV philosophes. Traduit du latin, édité et annoté par Françoise Hudry. Postface de Marc Richir”, Revue Philosophique de Louvain, Persée, vol. 87, no. 74, 1989, pp. 359–363.
  • Hudry, Françoise (ed.), Le Livre des XXIV Philosophes (Latin text and French translation), Millon, Grenoble, 1989.
  • Hudry, Françoise (ed.), Liber Viginti Quattuor Philosophorum, cura et studio F. Hudry, (Hermes latinus III, 1; Corpus Christianorum, Continuatio Mediaevalis 143A), Turnhout, 1997.
  • Hudry, Françoise (ed.), Marius Victorinus, Le livre des vingt-quatre philosophes: résurgence d'un texte du IVe siècle. Histoire des doctrines de l'antiquité classique 39. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 2009.
  • Lucentini, Paolo (ed.), Liber viginti quattuor philosophorum, Adelphi, Milano, 1999.
  • Lucentini, Paolo, “Il Liber viginti quattvor philosophorum nei poemi medievali”, in Marenbon, John (ed.), Poetry and Philosophy in the Middle Ages: A Festschrift for Peter Dronke, Brill, 2001.