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Usuário:GHMF/Testes/Raposa

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Grupo de indígenas acompanha pela televisão o julgamento da demarcação da reserva em área contínua pelo STF, na Terra Indigena Raposa Serra do Sol, 19 de março de 2009
Acórdão da Petição 3.388/RR, relatada pelo ministro Ayres Britto, que confirmou a manutenção da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

O caso Raposa Serra do Sol (Petição 3388/RR) foi um processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil sobre a demarcação de uma terra indígena em Roraima, contestada pelo governo estadual. Na decisão, o STF reconheceu a validade da demarcação e estabeleceu diversos parâmetros normativos para futuros procedimentos de demarcação de terras indígenas, o que gerou críticas na doutrina.[1]

O processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol iniciou-se ainda durante a ditadura, com a remoção dos residentes não-índios. A reserva foi demarcada em 1998, por meio da Portaria 820/98, e sua área contínua foi homologada em 2005, com a Portaria 534/05. Mesmo sabendo do processo demarcatório, agricultores de arroz haviam se estabelecido na região e resistiam à remoção. Por isso, o então governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, entrou com um pedido cautelar no STF, o qual, concedido, suspendeu a retirada dos arrozeiros até o julgamento do mérito da legalidade da demarcação.[2]

O senador Augusto Afonso Botelho Neto, do Partido Democrático Trabalhista, ingressou com Ação Popular contra a União pedindo a nulidade da portaria 534/05. O processo começou a ser julgado em 2008, com o voto do ministro relator Carlos Ayres Britto, que foi acompanhando pelos demais ministros. Em seu voto, o ministro Menezes Direito elaborou 18 condicionantes para o procedimento. Acrescentou-se ainda alguns marcos regulatórios de demarcação, visando dar maior segurança jurídica ao procedimento. Notoriamente, o marco temporal estabeleceu que somente poderiam ser reconhecidas como terras indígenas aquelas sob posse indígena desde 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição federal.

Após a sentença favorável do STF (por 10 votos a 1, vencido o ministro Marco Aurélio), foram ainda apresentados alguns embargos declaratórios, procurando esclarecer especialmente a questão das condicionantes; numa decisão em 2013, o STF reafirmou as condicionantes, mas esclareceu que elas não eram vinculantes aos demais processos.[3]

A desocupação dos não-índios de Raposa Serra do Sol encerrou-se em 2009.[4]

Contexto e antecedentes[editar | editar código-fonte]

Indígenas comemoram na Praça dos Três Poderes resultado do julgamento no STF que, por 10 votos a 1, decidiu manter a demarcação em faixa contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol

A Terra Indígena Raposa Serra do Sol encontra-se ao norte do estado de Roraima, na fronteira com a Venezuela.

Dado a situação jurídica, a Polícia Federal começou o processo de retirada dos não-índios ainda presentes, na chamada "Operação Upatakon 3", o que gerou resistência por partes do arrozeiros e de indígenas contrários à retirada.[5] Por isso, o então governador de Roraima, José de Anchieta Júnior, entrou com um ação cautelar no STF, pedindo a suspensão da retirada forçada dos arrozeiros; segundo nota do governo, buscava-se uma solução "sem violência" para a crise.[6] Em meio a protestos em Brasília, Gilmar Mendes, então ministro-presidente do Supremo, prometeu uma resposta célere à liminar e a questão da demarcação como um todo.[7]

Dias Toffoli, então advogado-geral da União, declarou que o governo não pretendia revogar o decreto da homologação, e que enfrentaria a disputa judicial no STF, aceitando a decisão que fosse tomada.[8]

Paulo César Quartiero, um dos arrozeiros ainda com propriedade na região e prefeito de Pacaraima, acusou o governo federal de instigar tensões.[9] Quartiero foi preso pela Polícia Federal em maio de 2008, depois de atirar contra índios que haviam invadido sua fazenda.[10]

[11]

Quartiero declarou ainda que: "Se defender o interesse pessoal, o patrimônio, o suor de seu trabalho, o estado de Roraima é ser terrorista, então eu sou terrorista, mas eu vou defender enquanto eu puder".[12]

Dionito José de Souza, coordenador do Conselho Indígena de Roraima, declarou em entrevista que não aceitava a presença dos fazendeiros e que, se a decisão os permitisse permanecer, a possibilidade de confronto seria grande, mesmo que não fosse a vontade dos indígenas. "Aí vai ser culpa do STF, dos invasores, do governo do estado. Se isso acontecer, a Constituição tem quer queimada nesse dia."[13]

Julgamento[editar | editar código-fonte]

O advogado-geral da União, Dias Toffoli, e o presidente da Funai, Márcio Meira, conversam durante o julgamento da ação, 19 de março de 2009

O voto do ministro-relator Ayres Britto teve 108 páginas.[14]

manifestação AGU [15]

O senador Mozarildo Cavalcanti de Roraima entregou ao Supremo Tribunal um relatório do Senado que defendia a retirada de 20 mil hectares da área a ser demarcada na reserva.[16]

Condicionantes[editar | editar código-fonte]

As condicionantes finais, como presentes no acórdão publicado, são as seguintes:

  1. — O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) relevante interesse público da União na forma de Lei Complementar;
  2. — O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;
  3. — O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando aos índios participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
  4. — O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
  5. — O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
  6. — A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
  7. — O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;
  8. — O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
  9. — O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;
  10. — O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes;
  11. — Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;
  12. — O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
  13. — A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;
  14. — As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício do usufruto pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;
  15. — É vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;
  16. — As terras de ocupação indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;
  17. — É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
  18. — Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis;
  19. — É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação.

Recursos[editar | editar código-fonte]

Ministro Gilmar Mendes, presidente do STF, e ministro Marco Aurélio de Mello, durante o julgamento do caso Raposa Serra do Sol, em março de 2009


O ministro Eros Graus igualmente defendeu que a decisão de 2009 não deveria ser estendida a outros processos e que votou "o caso, para o caso, sem ter em mente nada senão o que deveria ser decidido".[3]

Matéria do programa "Grandes Julgamentos" da TV Justiça sobre julgamento de recurso no caso, no qual os ministros reafirmaram as condicionantes mas decidiram que elas aplicariam-se somente àquele caso específico. Entrevistado também o desembargador Jirar Aram Megueriam, responsável pela coordenação da execução do julgamento.

Críticas e repercussões[editar | editar código-fonte]

Os produtores reclamaram do tempo imposto para a retirada.[17] As famílias que foram retiradas da reserva relataram dificuldades nos assentamentos que foram levados.[18]

Portaria 303

Durante o governo Michel Temer, a Advocacia-Geral da União emitiu um parecer sobre a questão xxx. Na prática, o parecer tinha força de lei, vinculando toda a administração pública.[19]


Após as eleições de 2018, o então presidente-eleito Jair Bolsonaro confirmou a intenção do governo em rever a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol: "É a área mais rica do mundo. Você tem como explorar de forma racional. E, no lado dos índios, dando royalties, e integrando o índio à sociedade", defendeu Bolsonaro.[20]

Um dossiê publicado e enviado para Brasília por autoridades indígenas da área em 2019 diz que "a homologação da T. I. Raposa Serra do Sol resultou na diminuição visível dos conflitos diretos e indiretos sobre a terra, em Roraima. A tranquilidade que os povos indígenas sentem de não serem atacados em suas próprias casa e roças tem um valor e um efeito incalculável para as crianças, jovens de mulheres".[21]

Referências

  1. Streck (2018). Streck, Lenio Luiz, ed. 30 anos da CF em julgamentos : uma radiografia do STF. Rio de Janeiro: Editora Forense. OCLC 1089259526 
  2. Alícia Uchôa (29 de maio de 2008). «Governador de Roraima diz que estado viverá tragédia com Raposa Serra do Sol». G1. Consultado em 21 de dezembro de 2021 
  3. a b «Ex-ministros são contra estender condições de Serra do Sol». Consultor Jurídico. Consultado em 21 de dezembro de 2021 
  4. «Termina a desocupação da Raposa Serra do Sol». Consultor Jurídico. 3 de agosto de 2009. Consultado em 21 de dezembro de 2021 
  5. «Índios entram em confronto com a PF em Roraima». G1. 31 de março de 2008. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  6. «Roraima entra com ação para paralisar operação da PF em reserva indígena». G1. 9 de abril de 2008. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  7. «Gilmar Mendes promete julgar em breve demarcação de reserva indígena». G1. 18 de abril de 2008. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  8. «Governo não pensa em rever demarcação de terra indígena, diz AGU». G1. 16 de abril de 2008. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  9. Jefferson Ribeiro (28 de maio de 2021). «Arrozeiro da reserva indígena Raposa Serra do Sol teme por novos conflitos». G1. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  10. «Líder dos arrozeiros volta a Roraima com festa». G1. 17 de maio de 2008. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  11. Alícia Uchôa (29 de maio de 2008). «'O índio é coadjuvante', diz governador de Roraima sobre Raposa Serra do Sol». G1. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  12. «G1 > Brasil - NOTÍCIAS - Se defender Roraima é ser 'terrorista', então eu sou, diz liderança dos arrozeiros». g1.globo.com. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  13. Fausto Carneiro (9 de dezembro de 2008). «Índios da Raposa Serra do Sol dizem que não aceitam decisão pró-fazendeiros». G1. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  14. Diego Abreu (27 de agosto de 2008). «Julgamento sobre reserva Raposa Serra do Sol recomeça com o voto do relator». G1. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  15. Diego Abreu (27 de agosto de 2008). «Advogado-geral da União defende manutenção dos limites de reserva». G1. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  16. Diego Abreu (4 de dezembro de 2008). «Senador pede ao STF redução de 320 mil hectares da Raposa Serra do Sol». G1. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  17. «Produtores se dividem sobre saída de terras». Consultor Jurídico. 28 de abril de 2009. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  18. «Famílias retiradas da reserva Raposa Serra do Sol têm dificuldades para plantar». Jornal Nacional. 14 de setembro de 2011. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  19. Pedro Canário. «Decisão do STF sobre Raposa Serra do Sol vale para toda a administração, diz governo». Consultor Jurídico. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  20. Marco Grillo (17 de dezembro de 2018). «Bolsonaro confirma intenção de rever reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima». O Globo. Consultado em 22 de dezembro de 2021 
  21. Renato Santana (22 de outubro de 2019). «Raposa Serra do Sol: como está a Terra Indígena após uma década da histórica decisão do STF». Conselho Indigenista Missionário. Consultado em 22 de dezembro de 2021 

Ligações externas[editar | editar código-fonte]