Dialeto ítalo-paulista

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Ítalo-paulista ou Paulistaliano

intalo-baolista/baoliste
baolistaliano

Falado(a) em:  Brasil
Região:  São Paulo
Total de falantes:
Família: Pidgin
 Ítalo-paulista ou Paulistaliano
Escrita: Alfabeto latino
Estatuto oficial
Língua oficial de: Nenhum Estado
Códigos de língua
ISO 639-1: --
ISO 639-2: ---
ISO 639-3: none

O ítalo-paulista (intalo-baolista ou intalo-baoliste[nota 1]), também denominado paulistaliano por Monteiro Lobato,[1] é uma língua desenvolvida a partir da mistura entre as línguas vêneta, napolitana e dialetos calabreses ao dialeto caipira,[2] passando a ser amplamente falada por imigrantes italianos e descendentes até o início da década de 1960, em São Paulo, especialmente na Região Metropolitana de São Paulo. O paulistaliano era comumente falado pelas ruas de São Paulo.[3][4][5]

Em 1911, o poeta Oswald de Andrade, de ascendência portuguesa, sob o pseudónimo italiano "Annibale Scipione," criou a revista Cartas D’Abax’O Pigues, publicadas no periódico O Pirralho, usufruindo da linguagem para fazer suas publicações; consequentemente, em 1915, a revista O Queixoso utilizou a expressão "língua do Abaixo Piques" para divulgar a publicação ítalo-paulista La Divina Increnca, de Juó Bananère.[6]

História[editar | editar código-fonte]

No início do século XX, o italiano e os dialetos eram falados quase tanto quanto o português em São Paulo, com influências da linguagem caipira, originária de São Paulo, uma nova língua foi criada pelos colonos italianos. De acordo com o escritor modernista Antônio de Alcântara Machado, estes colonos não falavam a língua italiana e nem a língua portuguesa, eles se comunicavam a partir de uma mistura linguística de base italiana e portuguesa, sendo denominada pelo autor por ítalo-paulista. Outros autores, como Monteiro Lobato, denominara a nova língua com outros nomes, como paulistaliano.[7]

A mixagem dos idiomas é um fenômeno linguístico e sociológico que ultrapassa o pitoresco. O italiano (em seus vários aspectos dialetais) prevaleceu na fusão, dando origem a um verdadeiro idioma que Monteiro Lobato chegou a batizar de “paulistaliano”.[8]

O surgimento da língua é entendido como uma função de urgência, sendo uma forma que os colonos encontraram para se adaptarem às novas necessidades linguísticas de um ambiente culturalmente diversificado como São Paulo.[9]

A variação paulistaliana da Grande São Paulo é de origem napolitana, enquanto que a variação paulistaliana de outras localidades de São Paulo, a exemplo de Jundiaí, é de origem veneziana e muito semelhante ao talian,[10] que é uma língua ítalo-brasileira da Serra Gaúcha mais fortemente conservada, com influências lombardas e trentinas, além de ser baseada principalmente no léxico e gramática da língua vêneta.

Apesar de ser entendida por alguns como um dialeto, sua formação possui diferenças significativas quando comparada com a história de formação dos vários dialetos italianos e portugueses. Sendo originária da mistura entre línguas da Itália com o português regional de São Paulo, surgida como num contexto de urgência comunicativa, constata-se que o desenvolvimento inicial do paulistaliano não o enquadra a um dialeto, sendo correspondente às definições de um pidgin,[11] uma língua que, ao se desenvolver e ser ensinada a uma comunidade como língua nativa, acaba por evoluir e transformar-se numa língua crioula.

O paulistaliano pode ter se transformado numa língua crioula quando passou a ser ensinado aos descendentes de italianos, porém se perdeu com o ensino obrigatório da língua portuguesa, o que influenciou na formação do atual dialeto paulista, especialmente no distrito paulistano da Mooca é onde ainda se conservam os sotaques da língua na Região Metropolitana de São Paulo.[12]

Divulgação[editar | editar código-fonte]

A partir de 1911, com a criação do periódico O Pirralho, a linguagem passou a ser amplamente filtrada por outros autores, como Oswald de Andrade e Juó Bananère.[13]

Estamos, assim, diante de um uso particular da língua do imigrante italiano, sem dúvida único em seu gênero, que reproduz de forma caricata o dialeto caipira paulistano mesclado com as variedades dialetais do italiano popular. Popular justamente porque São Paulo era um caldeirão de influências que se refletia na língua do povo.
— Edoardo Maria Carnevale

Juó Bananère, era o pseudônimo do engenheiro Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, foi quem mais explorou as possibilidades humorísticas do paulistaliano, escrevendo numa versão mais desorganizada da língua na sessão Cartas D'Abax'O Pigues do O Pirralho.[7] Após a publicação das Cartas D’Abax’O Pigues, a língua passou a ser retratada como um italiano ou português "macarrônico," um gênero de linguagem que possui diferentes definições, como uma linguagem composta por uma mistura de outras linguagens;[14] incompreensível; utilizada para fins cômicos,[15] etc.

Italianos em São Paulo[editar | editar código-fonte]

Em São Paulo, os descendentes de italianos representam 34% dos paulistas, mais de 13 milhões de pessoas.[16] Na cidade de São Paulo, a população italiana é uma das mais fortes do mundo, com presença em todo o município. Dos 12 milhões de habitantes da capital, cerca de 5 milhões têm ascendência italiana total ou parcial, havendo mais descendentes de italianos do que qualquer cidade italiana (a maior cidade da Itália é Roma, com 2,5 milhões de habitantes).[17][18]

Todos os anos, pessoas de origem italiana se agrupam em bairros paulistanos como Bixiga, Brás e Mooca e em diversos outros municípios do estado para promover festas tradicionais. Dos festivais mais conhecidos, estão a Festa de São Vito, Festa de San Gennaro, Festa da Colônia Italiana do Quiririm, Festa da Polenta de Santa Olímpia, etc.

Exemplos[editar | editar código-fonte]

Na coletânea Brás, Bexiga e Barra Funda, de Alcântara Machado,[19] há alguns exemplos paulistalianos, como a utilização do termo "banzando" no lugar do que, em português seria "brincando" e em italiano "giocando."[20][21]

O italiano e vários dialetos da Península Itálica influenciaram o português do Brasil nas áreas de maior concentração de imigrantes, como é o caso de São Paulo. Lá a convivência entre o português e o italiano criou um discurso muito mais aberto e menos nasalizado do que o português do Rio de Janeiro. A diversidade da língua dos imigrantes italianos resultou em um modo de falar substancialmente diferente do caipira, que era predominante na região antes da chegada dos italianos.

Nas canções de Adoniran Barbosa, filho de imigrantes de Cavarzere (Veneza), o "Samba Italiano" é um bom representante da língua estrangeira no Brasil. Com um ritmo tipicamente brasileiro, o autor mistura português, caipira e italiano, demonstrando o que acontecia e ainda ocorre em alguns bairros de São Paulo com o ítalo-paulista:

Va brincar en il mare en il fondo,
Mas atencione per tubarone, ouvisto?

Vai brincar no fundo do mar, mas atenção com tubarões, ouviste?

Ver também[editar | editar código-fonte]

Notas

  1. "Baolista" e "Baoliste" são grafias para "Paulista" que constam em publicações como La Divina Increnca, Cartas D'Abax'o Pigues (sessão do O Pirralho) e em sessões paulistalianas do jornal A Manha (RJ); na mesma lógica, São Paulo é traduzido como "Zan Baolo."

Referências

  1. SP, © Sesc (10 de julho de 2006). «Juó Bananére, a divina irreverência». portal.sescsp.org.br. Consultado em 7 de janeiro de 2024 
  2. ALVES MARQUES, Francisco Cláudio (2020). A Gênese de Juó (PDF). [S.l.: s.n.] p. 66 
  3. Percursos do moderno e do nacional em Oswald de Andrade (PDF). [S.l.: s.n.] p. 29 
  4. 12 retextualizações: traduções comentadas – italiano e português (PDF). [S.l.: s.n.] p. 54 
  5. CABRAL FILHO, Paulo Tinoco. Cultura como política de estado no Brasil: a iniciativa oficial e sua busca pela consolidação da identidade nacional. [S.l.: s.n.] p. 44 
  6. Scabin, Rafael Cesar; Maggio, Giliola (31 de dezembro de 2020). «Houve um dialeto ítalo-paulistano?». Revista de Italianística (40): 5–18. ISSN 2238-8281. doi:10.11606/issn.2238-8281.i40p5-18. Consultado em 6 de janeiro de 2024 
  7. a b SALIBA, Elias Thomé. Vista do Juó Bananere, o raté do modernismo paulista?. [S.l.: s.n.] p. 114 
  8. PRADA, Cecília (2014). «O velho bairro que não é bairro». portal.sescsp.org.br. Consultado em 30 de maio de 2024 
  9. NUNES, Adriana Zanela. Alcântara Machado: um escritor apaixonado pelos ítalo-brasileiros. [S.l.: s.n.] p. 2 
  10. SOUTELLO, Luiz Haroldo Gomes de. «O embaixador e as onze mil virgens» 
  11. HLIBOWICKA-WĘGLARZ, Barbara. Pidgin, língua franca, sabir. [S.l.: s.n.] p. 36 
  12. «São Paulo: metrópole da modernidade vacilante» 
  13. "Il linguaggio maccheronico in Juó Bananére"(p.58-61)
  14. «macaronic | Word of the Day | January 21, 2021». Dictionary.com (em inglês). 21 de janeiro de 2021. Consultado em 7 de janeiro de 2024 
  15. «macarrónica» 
  16. «Ano da Itália no Brasil será comemorado em 2012». www.al.sp.gov.br. Consultado em 7 de janeiro de 2024 
  17. «Tudo sobre São Paulo SP». EncontraSP. Consultado em 25 de março de 2016. Arquivado do original em 23 de março de 2016 
  18. «2024 é ponto de virada na relação Itália-Brasil, diz embaixador». UOL. 25 de novembro de 2023. Consultado em 7 de janeiro de 2024 
  19. ALVES MARQUES, Francisco Cláudio. A língua(gem) dos (des)enraizados. [S.l.: s.n.] p. 74 
  20. MACHADO, Alcântara. Brás, Bexiga e Barra Funda (PDF). [S.l.: s.n.] p. 4 
  21. NUNES, Adriana Zanela. Alcântara Machado: um escritor apaixonado pelos ítalo-brasileiros. [S.l.: s.n.] p. 7